quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A Importância da Tradução da Bíblia


por Wenceslao Calvo, missionário-tradutor

INTRODUção
Minha intenção neste artigo é demonstrar que aqueles povos onde a Bíblia foi traduzida para a língua autóctone ou vernácula do povo, o cristianismo foi preservado. Enquanto, que nos povos em que tal fato não ocorreu, a Igreja foi apagada do mapa. Também quero chamar a atenção sobre a necessidade que existe hoje em dia de traduzi-la. Meu interesse sobre a tradução da Bíblia para as línguas que ainda não a possuem deriva de minha filiação à Proel (Promotoria Espanhola de Linguística) – a filial espanhola de Tradutores da Bíblia Wycliffe.

HISTóRIA
Se nos fixamos no Norte de África vemos que poderíamos dividi-lo em duas zonas claramente diferenciadas em relação à presença do cristianismo: por um lado encontramos os países do Magrebe[1], nos quais existem apenas vestígios do cristianismo organizado; por outro lado, encontramos o Egito onde existe uma forte presença cristã, representada pela Igreja Copta. Entretanto, tanto no Magrebe como no Egito houve fortes comunidades cristãs que deram grandes dirigentes à Igreja de todos os tempos. Por exemplo, em Cartago e seus arredores, que corresponde ao que hoje é a costa mediterrânea de Túnis, Argélia e Líbia, houve desde os séculos II ao V uma dinâmica presença cristã da qual são exponentes alguns dos mais eminentes nomes que a cristandade já possui: Tertuliano, Cipriano e Agostinho de Hipona. Tais nomes bastam por si sós para encher muitas páginas da historia. Por outro lado em Alexandria, Egito, funcionou uma das grandes escolas teológicas dos primeiros séculos com personagens do calibre de Orígenes, Atanásio e Cirilo.




DIFERENçAS
Assim, temos duas grandes igrejas, Cartago e Alexandria, situadas a primeira no Magrebe e a segunda no Egito e ambas com grandes dirigentes. Porém, da primeira não ficou hoje nenhum rastro, enquanto que a segunda tem sobrevivido. A pergunta que surge é a seguinte: Quais foram as razões para tão dispare futuro? Por que uma entrou em colapso ante o avanço do Islã e a outra pôde subsistir ante esse mesmo avanço?
Deixemos que o historiador G. Bardy nos clarear esta questão:
A primeira vista o fundamento do cristianismo na África parece um fenômeno inexplicável; perguntamos como uma Igreja tão destacável, tão rica em episcopados e monastérios pôde desaparecer tão rápida y completamente.
As causas deste desaparecimento são certamente numerosas. Porém entre elas não há dúvidas uma tão importante como o caráter romano do cristianismo nesta região. Aqueles que haviam sido conquistados pela Igreja eram essencialmente romanos de língua latina. Desde o princípio, seus bispos e seus sacerdotes foram latinos; sua liturgia foi latina; sua Bíblia foi latina e ninguém nunca imaginou em traduzi-la para a língua púnica,[2] apesar de que – pelo que parece – tenha existido uma literatura púnica. Pelo menos, preocuparam-se de oferecer aos nativos a chance de uma pregação em púnico, ainda que os bispos e sacerdotes capazes de falar esta língua fossem sempre muito escassos, para realizar conquistas de grande alcance...
Por isso não devemos estranhar que, a partir das grandes invasões árabes, a Igreja da África viesse rapidamente ser liquidada. Culpada de não ter lançado raízes suficientemente profundas nas populações nativas, essa Igreja acabou desfalecendo e morrendo. (G. Bardy, La question des langues dans l'Eglise ancienne)

RAZõeS
Por isso, segundo este historiador, foi a falta de raízes, caracterizada pela ausência de uma tradução da Bíblia para a língua falada pelo povo, que facilitou o desaparecimento da Igreja no Magrebe. Enquanto que as classes superiores falavam o latim que era a língua "culta" e urbana, o povo seguia ligado ao púnico e ao berbere,[3] e a Igreja o que fez? Encantou-se pelo uso do latim, deixando às grandes massas de população virtualmente fora de sua influência. De fato, Agostinho de Hipona observa o seguinte: "A pregação do evangelho em nossas regiões encontra dificuldades por falta de pessoas que falem a língua púnica" (Agostinho de Hipona, Epístola LXXXIV, 2).
O que teria ocorrido se a Igreja de Cartago tivesse se preocupado em traduzir a Ítala, a versão latina da Bíblia, às línguas populares? Possivelmente que hoje haveria uma Igreja no Magrebe.
Esta foi precisamente a diferença com o Egito onde a língua popular era o copta. Se bem que o grego era o idioma oficial, as grandes massas rurais da população o ignoravam. Para eles era uma língua estranha, própria dos intelectuais e das classes dirigentes. Porém, a Igreja do Egito, o contrário da de Cartago, soube entender que a menos que possuíssem a Palavra de Deus em copta, todas aquelas pessoas nunca seriam conquistadas para o evangelho. No final do século II, e com finalidades missionárias, empreendeu-se a tradução da Escritura para o copta. No ano 300, já havia sido traduzida toda a Bíblia.

DIVERGÊNCIAS
Em certo sentido, a Igreja do Norte da África teve de enfrentar um dilema similar ao da Igreja de Jerusalém em Atos 15. A pergunta que os apóstolos a que detiveram foi: É Necessário circuncidar aos gentios e fazê-los judeus para serem admitidos na Igreja? A pergunta que martelava no norte de África era: É necessário que os convertidos que não conhecem aprendam latim ou grego para tornarem-se cristãos? A resposta que Cartago deu com sua passividade foi: Sim, é necessário aprendê-los. Enquanto Alexandria contestou: Não, nós poremos a Bíblia ao alcance do povo.
Além das de razões linguísticas, por si só suficientemente poderosas, havia razões políticas y culturais para que os habitantes do Magrebe rejeitarem o latim, que para eles representava a língua da potência colonial: Roma. Igualmente as massas do Egito rejeitaram o grego como veículo da dominação helenista.
A importância da tradução da Bíblia para a língua vernácula do povo também é enfatizada pelo depoimento do historiador L. Padovese que afirma ter o paganismo e as seitas encontrado força para crescer precisamente nas regiões onde as línguas populares estavam arraigadas e não havia tradução das Escrituras. Tristemente ali onde os cristãos demoraram a chegar, os pagãos e sectários fortaleceram-se na disseminação de suas ideologias. Este mesmo historiador também mostra que as manifestações mais grosseiras de superstição dentro da Igreja apareceram ali onde cristãos aceitaram um cristianismo que se expressava em uma língua diferente de sua língua materna. Por não entender a língua em as verdades da fé eram expostas, eles tiveram que buscar símbolos religiosos, por exemplo, pinturas e imagens, que facilmente desaguavam no paganismo.

APRENDENDO COM A HISTÓRIA
Todas estas lições do passado são urgentes e devemos aplicá-las agora uma vez que ainda falta muito por fazer no campo da tradução da Bíblia. Hoje há quase sete mil línguas vivas na terra. Destas trezentas tem a Bíblia completa, quase oitocentas possuem o Novo Testamento e outras em torno de mil têm alguma porção da Bíblia traduzida. Algumas nações são verdadeiros mosaicos linguísticos. Por exemplo, Papua-Nova Guiné sozinha possui quatro milhões e meio de habitantes, mas cerca de OITOCENTAS línguas.
Para ternos uma ideia da complexidade da tarefa basta lançar um olha no mapa linguístico da Espanha. E esse não é um caso dos mais complicados. Frente a um idioma hegemônico, o  castelhano, tem convivido durante séculos outros que a duras penas e somente com o advento da democracia têm adquirido a categoria de línguas oficiais do Estado junto a aquele: catalão, galego e basco. Por outro lado, qualquer valenciano se sentiria ofendido caso dissessem que sua língua é o catalão, porque para todo valenciano tem uma identidade própria ainda que todos reconheçam que o catalão e o valenciano sejam línguas irmãs. O mesmo ocorre com o balear. Além do mais, ao lado destas existem outras línguas minoritárias que também aspiram ao status de línguas oficiais ou de segunda categoria com identidade própria: asturiano, aragonêsaranês, gascão, no vale de Aran, e fala no vale de Estremadura[4] ao noroeste da província de Cáceres. Também estão os cento e vinte mil surdos espanhóis que utilizam sua língua de sinais, a qual tem seus dialetos dependendo da região onde vivam.


Nas últimas décadas o sentimento nacionalista tem mudado o conceito, vigente por séculos, de que estas línguas eram despreciáveis e próprias de iletrados e gente vulgar ou que eram vestígios curiosos do passado. Inclusive exemplos como Cervantes que ironiza em Dom Quixote sobre os bascos apresentando-os como pessoas que, devido à influência do dialeto vizcaíno[5] em seu falar cotidiano, deformavam o castelhano, o qual se suponha ser a língua culta.
Tudo o que Dom Quixote dizia escutava de um escudeiro dos acompanhavam a carruagem, o qual era vizcaíno; este... lhe disse, em mau castelhano e pior vizcaíno, desta maneira: Anda, cavaleiro que mal andes; pelo Deus que criou-me, que, se não deixas a carruagem, assim te matas como estás aí vizcaíno (Miguel de Cervantes, Don Quijote de la Mancha I, 8).



NECESSiDADES
Supostamente, a necessidade de tradução varia de uma nação para outra. Na Espanha, a imensa maioria da população falante de uma língua minoritária é bilíngue e, por isso, tem a seu alcance uma Bíblia, ainda que não seja em sua língua materna. Todavia, persiste o fato de que o melhor é que cada pessoa tenha as Escrituras em sua língua vernácula, a língua com que ele se identifica. Entretanto, em ouras nações há comunidades monolíngues sem acesso às Escrituras. De fato, sem aceso a um sistema alfabético porque são idiomas que nunca foram grafados.
Em anos recentes, linguistas de Instituto Linguístico de Verão,[6] organização vinculada à Proel, tem realizado um trabalho de investigação sociolinguística na Espanha no que se refere às línguas minoritárias não-oficiais. A recepção por parte das autoridades autônomas e locais para o projeto de verter as Escrituras para suas línguas de origem tem sido muito favorável. Hoje cada região e cada comunidade que possui uma língua autóctone, por mais minoritária que for, busca fomentá-la, reavivá-la e fortalece-la já que a considera como um sinal de identidade própria, e qualquer pessoa ou instituição que coopere com eles nesse sentido é bem-vindo. Aí temos uma oportunidade de deixar uma importante herança para as gerações futuras, o mesmo que aqueles cristãos dos primeiros séculos os quais souberam captar a importância de traduzir as Escrituras, no somente para as línguas predominantes, mas também para as demais.
Alguém disse que a única coisa certa que a História ensina é que a humanidade não aprende nada dessa mesma História. Vamos desmintir esse ditado e não sejamos como a Igreja de Cartago, mas imitemos a de Alexandria. Tomara que haja mais jovens espanhóis que sintam o chamado de Deus para trabalhar na tradução da Bíblia para as línguas que ainda não a possuem.

Tradução de Marcos Paulo da Silva Soares
Traduzido como permissão do autor do artigo em espanhol



[1] O Magrebe ou Magreb (em árabe, المغرب, Al-Maghrib), localizado no Noroeste da África, é uma região que abrange, em sentido estrito, Marrocos, Sahara Ocidental, Argélia e Tunísia (Pequeno Magreb ou Magreb Central). O Grande Magreb inclui também a Mauritânia e a Líbia. Na época do Império Romano, era conhecido como África menor (N. do Trad.).
[2] O púnico é uma língua semítica extinta, falada na região mediterrânea do norte da África e algumas ilhas do Mar Mediterrâneo pelos povos da cultura púnica (de origem fenícia) até por volta do séuclo IV d.C. (N. do Trad.).
[3] Um grupo de 25 línguas faladas pelos povos berberes, principalmente no norte e centro da África. Constituem um grupo da família linguística afro-asiática (N. do Trad.).
[4] Ou Xálima, que no dialeto estremenho significa A Fala (N. do Trad.).
[5] Dialeto falado na província espanhola de Vizcaínos, entre as províncias de Castela e Leão (N. do Trad.).
[6] No Brasil, Sociedade Internacional de Linguística.

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