Desidério
Erasmo (nascido em 27 de outubro de 1469, em Roterdã, na Holanda - foto ao lado) era filho
ilegítimo de um clérigo, algo mais comum do que se imagina naquela época. Aos
15 anos ficou órfão. Isso fez com Erasmo, já adulto, não olhasse para sua
infância como dias felizes, mas sim como dias que preferisse esquecer.
Posto em contato
com os Irmãos da Vida Comum[i]
recebe deles o gosto pelas Letras Latinas e Gregas, coisa que influenciará notavelmente
em sua vida intelectual.
Com 18 anos,
ingressa no noviciado do Convento Agostiniano de Steyn, ainda que existam
dúvidas se esta decisão ocorreu por causa de motivos religiosos ou intelectuais.
Seja qual tenha sido a razão, logo depois de ser ordenado sacerdote, abandonou o
convento para sempre. Sua independência de espírito não o enquadrava na vida calculada
e premeditada de um monge.
No
entanto, a dívida de Erasmo com os Irmãos da Vida Comum e com os clérigos de Steyn
se refletirá na prática de uma religião interior, sensível e espiritual como
esboçada na obra Imitação de Cristo, de Tomás de Kémpis.
Desde
cedo, viaja, escreve e mantém uma intensa correspondência com amigos e protetores.
Embora escreva, não publica livros, pois estes eram anos de investigação, estudo
e preparação para o futuro. Em 1499, encontrava-se em Londres onde iniciou
amizade com Tomás Moro, o futuro chanceler e mártir da Inglaterra. Também conheceu
ali a John Colet, de que assistiu às dissertações sobre as Cartas de São Paulo.
O primeiro
livro que Erasmo publicou foi Adágios, resumo e florilégio sobre a sabedoria
antiga – uma obra que se encaixa perfeitamente no ambiente renascentista. Em
1503, publica Manual do Cavaleiro Cristão, escrito no formato de
uma carta direcionada a um amigo laico com o fim de lhe instruir no modo de
viver cristão nesse mundo (um combate espiritual que ameaça à alma). Nesta obra,
aconselha a seu leitor que se volte para a Bíblia, como meio supremo de renovar
sua vida espiritual. Também traduz obras clássicas. A tradução do Novo
Testamento que faz do grego para o latim contou com a supervisão de Colet, com
quem tem desenvolvido seu conhecimento do grego.
De 1506 a
1509, percorreu as cidades italianas de Turim, Milão, Pádua, Bolonha, onde assistiu
escandalizado à entrada triunfal do papa Júlio II nessa cidade, como se fosse
um segundo Júlio César. Em Roma, ouviu um sermão na Sexta-Feira Santa contendo
algumas palavras sobre a Paixão de Cristo, elogios a Julio II e uma grande exposição
sobre a mitologia e história romanas. Por isso, não é de se estranhar que
Erasmo dedique seus últimos anos a compor uma obra sobre a Pregação Cristã.
De volta à
Inglaterra, escreveu o Elogio da Loucura – a obra que lhe conferiu fama
universal. Na mesma, satiriza a papas, bispos, filósofos, sábios, príncipes,
soldados e monges. Na Universidade de Cambridge, deu aulas de grego e teologia no
Queen College, onde continuou com sua
tradução do Novo Testamento, terminando-a em 1516 e publicada em Basileia,
Suíça. Esta obra veio a influenciar grandes os reformadores como Lutero,
Calvino e Zuínglio. Estes homens o utilizaram em seus estudos. Desse texto foram
feitas por séculos traduções do Novo Testamento para um grande número de línguas.
Devido à
ambiguidade em suas ações, Erasmo foi perseguido e incompreendido tanto pelos
romanistas quanto pelos reformadores. Para os primeiros, foi um traidor – que passou
para o lado oposto; para os últimos, alguém incapaz de romper com os laços que o
prendiam a Roma. Disso, surgiram sua excomunhão por Roma e sua controvérsia com
Lutero por causa do livre-arbítrio. Duas frases marcam esses desentendimentos:
"Suporto a esta Igreja até
que ela melhore
e a Igreja deve suporta-me até que me faça melhor" (Crítica à Igreja Católica).
"Não darei meu nome a vossa
Igreja caso não a vejo mudar" (Crítica a Lutero).
Na realidade,
Erasmo era um homem que detestava rompimentos, disputas e que buscava reformar à
Velha Igreja Católica. Desejava vê-la com uma espiritualidade sensível,
interior e evangélica. Por estes motivos, sentia-se em terra de ninguém em uma
época em que tomar partido abertamente por algo era considerada Alta Traição. Entretanto,
suas críticas ácidas à Igreja de Roma não foram perdoadas apesar de não passar
para o lado protestante. Erasmo não poupa argumentos ao contrariar as práticas e
ensinos romanos:
·
"Queres agradar a São Pedro ou a São Paulo? Reproduz a fé de um e a
caridade do outro. Assim, estás fazendo mais que se corresses dez vezes até a
Roma".
·
"Não faço tratos com os santos. Dirijo-me diretamente a Deus por meio
do Pai-Nosso, porque nenhum santo está mais acessível ou é mais misericordioso
que nosso Pai".
Além de sua
edição bilíngue do Novo Testamento (Acima uma passagem de Apocalipse), trabalhou em uma tradução para o latim de
uma paráfrase do Novo Testamento, pois em suas próprias palavras:
“O Evangelho
será lido pelos lavradores, pelos ferreiros, pelos pedreiros, pelos tecelões, até
pelas meretrizes e seus amantes, até pelos turcos etc.".
Em uma
época em que Roma via a tradução da Bíblia às línguas vernáculas como uma das fontes
de heresia, as declarações de Erasmo entram em choque com o pensamento vigente:
“Que mal há
em que os homens repitam o Evangelho em sua língua materna, a qual eles compreendem:
os franceses em francês, os ingleses em inglês, os alemães em alemão, os indianos
em hindustani? Penso que é muito pior, para não dizer ridículo, que se preocupem
como os erros em latim feitos pelos mais simples e as mulheres ao lerem os Salmos
e a Oração Dominical. Deviam se preocupar com sua falta de compreensão! Quantos
homens de cinquenta anos ignoram o voto que pronunciaram no batismo e não fazem
a menos ideia do que quer dizer cada trecho do Credo Apostólico, a Oração Dominical,
os Sacramentos da Igreja”.
As Paráfrasis[i] estão
entre os livros prediletos de Erasmo, pois, enquanto seu Novum
Testamentum greco-latino ia para os intelectuais e os eruditos, as Paráfrasis são
dirigidas a toda pessoa de cultura que saiba ler. Esse pensamento colocou-o em
confronto direto com os teólogos de Sorbone que via nisso uma identificação com
a atitude dos reformadores. Além disso, traduziu o Novo Testamento para sua língua
materna, o holandês, sendo publicado em 1524, em Delft.
Morreu em
12 de julho de 1536, em Basileia, onde foi enterrado.
Acesso em
11 de junho de 2012, às 14 horas
Traduzido
por Marcos Paulo da Silva Soares
Usado com
permissão
[i] Gerhard Groote, ensinando uma abordagem mais prática ao cristianismo, fundou os Irmãos da Vida Comum como um esforço de chamar seguidores a uma devoção e santidade renovadas durante a corrupção moral que reinava entre os clérigos desde a Idade Média (Fonte: http://www.estudosdabiblia.net/2004119.htm, acesso em 11 de agosto de 2012, às 14h01).
[ii]Nome da obra em latim.