terça-feira, 12 de junho de 2012

Tradutores da Bíblia: Francisco de Enzinas (1520-1552)

ORIGEm e ESTUDOS

Francisco de Enzinas (1520-1552) era natural de Burgos e esteve diretamente vinculado à Reforma Protestante que se propagava por toda Europa. Estudou durante dois anos na universidade de Lovaina, na Bélgica, sob a orientação de Luis Vives. Em 1541, muda-se para Wittenberg levando cartas de recomendação para Lutero e Melanchton. Na casa deste último, ficou hospedado. Matriculou-se na universidade de Wittenberg com o nome de Franciscus Dryander Hispanus (Dryander significa em grego um tipo de arbusto de tronco largo e forte).


TRADUção do NoVO TESTAMENTO

Ali Melanchton (a figura ao lado) lhe anima para traduzir o Novo Testamento para o castelhano a partir do texto grego. Até então, ninguém havia realizado tal coisa, com a exceção de Alfonso X, o Sábio que, no século XIII, havia feito uma tradução. No entanto, tal versão, além de ser não mais que uma paráfrase, não foi tal divulgada.

Para sua tarefa, Enzinas toma como base o Novo Testamento grego que Erasmo havia editado e um ano e meio conclui sua tarefa. Para imprimir sua obra, retorna a Lovaina. Porém, a situação lá era muito difícil: Vários suspeitos de simpatizar com a Reforma haviam sido encarcerados e alguns destes seriam mortos na fogueira ou decapitados.

Na presença do iMPERADOR CARLOS V

Todavia, Enzinas se mostra decidido a seguir adiante com seu propósito. Pede a opinião dos teólogos da universidade da cidade, que ficam temerosos e inclusive o desestimulam a continuar com seus projetos. Diziam eles que as heresias nos Países Baixos haviam nascido em consequência da tradução das Escrituras à língua do povo. Diante desta reação, Enzinas mudou-se para Amberes (ou Antuérpia) onde encontra um impressor disposto a editar o manuscrito. No dia 25 de outubro de 1543, sai a primeira edição castelhana do Novo Testamento dedicada ao imperador Carlos V (Figura ao lado).

Sabendo que o imperador estaria em Bruxelas um mês depois, viajou para lá a fim de lhe entregar um exemplar. O encontro ocorreu em um domingo, dia 23 de novembro de 1543. Na ocasião foi apresentado pelo bispo de Jaén que também era o capelão de Carlos V, Francisco de Mendoza. Enzinas descreveu sua conversa com o imperador assim:

- Então, o Imperador me perguntou: Que livro queres me dedicar?
- Senhor, uma parte das Sagradas Escrituras que chamamos Novo Testamento, fielmente traduzido por mim para o castelhano. Nelas se encontram os relatos sobre o Evangelho e as Cartas dos Apóstolos.
- Desejo que Vossa Majestade, como defensor da religião, julgue e examine com atenção meu trabalho. Suplico humildemente que a obra, aprovada por Vossa Majestade, seja recomendada ao povo cristão por vossa autoridade imperial.
- Tu és o autor dessa obra? - replicou Carlos V.
- O Espírito Santo (disse Enzinas) é o autor. Inspirados por ele, alguns santos homens escreveram para que entendamos estes oráculos de saúde e redenção na língua grega. Sou apenas seu servo fiel e débil instrumento, que traduziu esta obra para a língua castelhana.
- Em castelhano? – repetiu o Imperador.
- Em nossa língua castelhana, insistiu Enzinas. Torno a suplicar-te que seja seu patrono e defensor, conforme a vossa clemência.
- Seja como queira, contanto que nada suspeito exista nesse livro.
- Nada que proceda da palavra de Deus deve ser suspeito aos cristãos, afirmou o tradutor.
- Cumpra-se tua vontade, se a obra é assim como asseguras e o bispo também.

ENCARCErAMENTO, IDAS e VinDAS e MoRTE

Pouco depois de um ano, esteve preso em Bruxelas, conseguiu escapar e fugiu para a casa de Melanchton, em Wittenberg, onde escreveu suas memórias. Ali, descobre que é procurado, caso não seja novamente preso, poderá sofre a perda de seus bens e a pena de morte. Nesse mesmo período, toma conhecimento do destino de seu irmão Jaime: morto na fogueira pelas mãos da Inquisição. A partir de então, sua vida se resume em idas e vindas por diversas cidades europeias. Durante dois anos vive na Inglaterra sob a proteção do bispo Cranmer, ensinando grego na universidade de Cambridge. Volta ao continente e no dia 30 de dezembro de 1552, morre em consequência da peste que assola a cidade de Estrasburgo.


PRISÃO DE ENZINAS

No dia seguinte, o bispo entregou um exemplar do Novo Testamento ao confessor de Carlos V, o dominicano Pedro de Soto, que chegaria a ser conselheiro da rainha da Inglaterra, Maria Tudor, popularmente conhecida como Maria, a Sanguinária.

Simulando interesse, em certos pontos da conversa, Soto marca um encontro com Enzinas, o qual foi preso por um pelotão de soldados e foi levado a uma prisão de Bruxelas. As acusações contra Enzinas foram: suspeito de luteranismo, amigo de luteranos e impressor do Novo Testamento em castelhano. Naturalmente, a edição do Novo Testamento foi recolhida e destruída.


Interrogatório

Do interrogatório de Enzinas, extraímos algumas perguntas e respostas:
- O que pensas de  Melanchthon e seus livros?
- Não li todos os livros de Melanchthon. E ainda que o tivesse lido, não seria capaz de dar minha opinião sobre os mesmos. Sobre sua pessoa, considero-o o melhor homem que já conheci.
- Como podes chamar de bom homem um herege excomungado?
- Não me consta que seja um herege e, se é possível chamar a Platão de 'divino', a Sócrates de 'santíssimo' e a Aristides de 'justo', que eram pagãos, porque vós vos escandalizais comigo, se considero um homem santo que crê nos artigos de nossa fé como toda a Igreja de Cristo como bom?

- Por que, pois, as palavras de Romanos 3:28: 'Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé sem as obras da lei', estão impressas em vosso Novo Testamento com letras grandes, se esta é  uma ideia luterana?
- O que vós chamais de luterano, eu chamo de paulino, ou melhor, cristão. É o impressor, que o editor assim. Porém, nunca jamais poderá ser um crime. Pelo contrário, é bom indicá-lo assim as pessoas, para que possam estar avisados e não entender mal o  sentido das palavras".


JUSTIFICATIVA para SUA TRADUÇÃO

O próprio Enzinas, no prólogo de seu Novo Testamento ao dirigir-se ao imperador, apresenta três razões para a publicação da mesma:

“Nenhum poder humano está em condições de ir contar a publicação das Sagradas Escrituras. Todos os demais povos europeus já desfrutam do privilégio de ter a Bíblia em sua própria língua materna. Eles chamam aos espanhóis de supersticiosos porque não a têm ainda. Nenhuma lei real ou papal proíbe a edição. E ainda que alguns julguem perigosas tais traduções em tempos heréticos, lembre-se que as heresias não têm origem na leitura da Bíblia, e sim nas perversas explicações que homens maus que a distorcem para a sua própria perdição”.

Acesso em 11 de junho de 2012, às 14:05 horas
Traduzido por Marcos Paulo da Silva Soares
Usado com permissão


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